domingo, 28 de dezembro de 2008

O mito do Pássaro Azul ou Canção da Ausência






Essa carta é impessoal. É homônima, anacrônica, metafísica e objetiva. Ela não fala de saudades, nem despedidas ou desamores. Essa carta, fala de flores... Talvez de começo, jamais de fim. Pode falar de lágrimas, mas nunca de choro, ou dor ou da pipa vermelha voando solitária no céu cinzento.

Mas como falar de começo sem beijar o sol que se põe na linha imaginária do horizonte??? E como falar só de pipas se temos balões e confetes e carnaval e sangue na neve???
Improvável??? Não!!!

Talvez eu esteja tão louco a ponto de imaginar que não seja preciso escrever nada além das reticências ( ou das flores ). Por que na realidade o vazio que se sente em uma despedida é tão palpável quanto às reticências de uma frase incompleta. Então chegamos no meio do caminho e percebemos que as coisas não são tão pesadas como parecem, mas são leves, traiçoeiras e insustentáveis como o tempo.

Sei que parece loucura, mas não é para ser romântico mesmo: é para ter peso!!! E quando tudo finalmente virar pó, estarei sentado numa nuvem de chuva, terminando uma carta interminável que fala de flores no asfalto.

Caminhando contra o vento, nada no bolso ou nas mãos... Eu vou... E já não vejo uma carta, mas a crônica da carta interminável, impermeável e cheia de erros de português.

E, olhando pela janela embaçada do carro, tentando acomodar os pensamentos no travesseiro improvisado num pequeno espaço entre a poltrona da frente e um beijo molhado, penso que tudo poderia apenas ter sido um sonho de superfície... Mas não é!!!! Por que na manha seguinte toda realidade de prédios e bares e ruídos assustadores caem como uma bigorna no dedão do meu pé (e que provoca uma dor real e insuportável como o pestinha que passou a noite toda chorando na poltrona ao lado).

Mas agora não tem importância e nada faz sentido. E nem é para fazer!!!! Se fizesse, não seria eu...

E eu estarei lá onde o vento corta o cruzeiro do sul; você aqui, onde a cachoeira esconde o fim do arco-íris de cores fluorescentes e já não seremos, nem estaremos. Nossa existência não terá passado de impulsos eletromagnéticos reconstituindo um instante que não se pode reconstituir...
Essa é a paráfrase da metafísica do amor e da morte que tanto preguei em meu reinado delirante de um só súdito (que faleceu de cirrose no verão passado)

Não queria ter falado de saudades, nem de fins, nem despedidas... mas foi só o que consegui escrever. E essa crônica, que era uma carta e agora já nem forma possui, serão apenas lembranças quentes do meu último inverno no paraíso.

Caixeiro Viajante


Era um senhor com seus 50 anos. Sustentava um aspecto insone, olhos fundos, parecia que não dormia a dias. Olhos inchados e tristes emoldurado por uma máscara facial cansada e cheia de nostalgia.

Viaja durante quase o ano todo. Piauí, Sergipe, São Paulo... Paraná, Amazonas, Amapá... Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Minas, Brasília, Tocantins... Paraguai e tantos outros lugares que já perdera as contas.

Da janela do ônibus observava pessoas e lugares, vivendo e revivendo momentos singulares de sua vida nômade. Sempre gostou dessa vida, tanto que a fizera de profissão. Não tinha certeza se conseguiria ou sabia fazer outra coisa após todo esse tempo, correndo estradas e pontes, cidades e municípios com suas surpreendentes e indescritíveis paisagens, onde cada partida deixava saudades e cada chagada um novo desafio, um frio na barriga que nunca passava e cada instante cuidadosamente guardado como lembrança única. Ah, como fora feliz nesses anos... Mas estava cansado.

Por causa de suas idas e vindas, não tinha tato para estabilidade: estava no terceiro casamento, cinco filhos crescidos e um caçulinha de dois aninhos que era seu xodó e criptonita.
Em seu quarto de pensão olhava atento as fotos dos filhos, das três mulheres e percebia o quanto havia perdido, sentia por não ter visto seus filhos crescerem. Sentia saudades. Queria voltar. Sempre trazia consigo essas fotos que mostrava com orgulhos aos seus clientes ou quem quer que estivesse por perto e se interessasse a ouvir um velho solitário. Nesses momentos seus olhos se iluminavam com brilho límpido, sua face perdia todos traços da solidão da estrada, da saudade e despertava vívido e belo, como um inseto que sai de seu casulo despertando p interesse do mais displicente espectador.

Um dia acordou e decidiu voltar. Preparou-se, raspou a barba como sempre fazia durante todos esses anos. Vestiu sua melhor peça e tomou um ônibus em direção ao lar, cheio de saudade e ternura.

Quando chegou, beijou a esposa e seu caçula, fruto do último casamento e disse que dessa vez era pra ficar.
Mas não consegue! Os anos passam e o caixeiro viajante sente saudade da estrada, das incertezas, do frio na barriga, da vida vista da janela... e quando o verão chegou ela partiu novamente. Com seus fatos e suas fotos, suas lembranças e saudades na velha mala, sua fiel companheira e testemunha.