terça-feira, 10 de dezembro de 2013

INCONGRUÊNCIA OU A DANÇA DOS DRAGÕES INEXISTENTES


           Não era exatamente um desejo de autodestruição o que ele sentia. Poderia ser uma tentativa frustrada de chamar atenção, ou apenas tédio mesmo. O desespero sim era real. Tinha certo ar de ansiedade nos gestos... uma inconstância na voz... uma insegurança ébria que beirava a decadência. Na verdade era um cenário todo feito para a decepção. Um palco armado para o soterramento do ego, do orgulho e dos dedos.
                Não fosse o instinto de autopreservação, certamente se jogaria de qualquer precipício sentimental sem fundo. Uma queda eterna rumo a lugar algum e sem possibilidade de volta aparente. Esses sentimentos escondidos... essa agonia enclausurada há tempo tem o mesmo poder devastador dos dragões da mitologia: quando sobem à superfície, Emergem, sobrevoam de forma bela, como uma dança sincronizada, mas quando plainam destroem tudo o que tocam. Expelem fogo e fumaça, inebriam e justamente por isso precisam ficar presos em algum lugar... numa caverna repousando e quiçá jamais retornarem à superfície.
                É evidente que não é o caso aqui. O drama das palavras, o jogo sínico da prosódia causa apenas uma esfera de ilusão: descortina-se as figuras de linguagens, os artifícios estilísticos e os recursos metalinguísticos e o que resta é exatamente o esqueleto fossilizado do que um dia foi reluzente e flamejante. Que um dia foi quente e belo e novo, mas que agora sequer ficou fagulha...
                Apesar de tudo, a vida que planejou em três segundos, que arquitetou cada detalhe que pôde em apenas três palavras se esfacelou no vento e ninguém mais soube da sua existência. Parece que o dragão voltou ao descanso após um sobrevoou de destruição. Ele (o dono dos sentimentos irrequietos) não atribuiu culpa. Não acusou ninguém e muito menos amaldiçoou os signos dos zodíacos... apenas seguiu um roteiro que os astros já haviam traçado.    

               

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Chega sem bater: não está ocupado!



Você chegou numa hora ruim. De fato chegou numa péssima hora: chegou num dia em que não tinha como não te dar atenção. Chegou numa hora em que meu coração (por tantos meses feridos, sangrando e batendo fraco) estava revigorado, forte, pulsando de vida o suficiente pra bombear um fluxo contínuo por mim e por você.

Quando você chegou eu não tinha empecilhos. Não tinha traumas das vidas passadas, não tinha o sabor amargo da decepção. Tudo isso havia magicamente desperecido quando o pontinho verde apareceu ao lado direito da minha tela. Nessa época, uma época tão anacrônica quanto qualquer época que precede algo novo ou algo que aparentemente vai mudar sua vida, tudo o que mais queria era aproveitar a inconsistência do tempo... o torpor das horas vagas... e a futilidade dos dias desperdiçados. Daí então, num lapso temporal infinitesimal, todo desejo inútil e levemente improfícuo se metamorfoseia em vontade declarada: agora, subitamente, vejo pela primeira vez há tempos, a vontade de preencher meu tempo com suas chegadas furtivas, de disfarçar o torpor das horas com seu sorriso pequeno e transcender os dias e noites com a intensidade de um sentimento de bases sólidas, fixas e sem prazo de validade.

Algumas vezes penso no passado que por muito tempo fingimos não existir e sinto  o mesmo ar rarefeito da atmosfera onírica daquele dia que olhamos as estrelas juntos num telescópio de cano, que andamos em poltronas desconfortáveis nos ônibus de uma cidade desconhecida, que descobrimos o prazer químico do toque trêmulo na pele eriçada, que fingimos pra nós mesmos que a única vida viável era aquela com prazo de validade.

Quando deixamos esse mundo inventado por nós e exclusivamente pra nós, deletamos as informações por conveniências e formalidade sem saber que nosso HD biológico deixou oculta em partições ocultas uma mensagem, que pra não lermos estava codificada mas que poderia ser lida se recriássemos a mesma atmosfera do nosso mundo inventado por nós e exclusivamente pra nós.

Mas aí você chegou nessa péssima hora que todas as condições possíveis e imagináveis estavam a favor que recriássemos esse essa atmosfera. Chegou na hora errada de me pegar desprevenido, no momento exato que me despia de todas as armas de defesa. Você fez exatamente tudo o que podia ter feito para não criar algo que a cada dia penso ser mais inevitável: você incentiva sem saber todas as minhas formas de inconsequência, tolerância e desapego à vida que escolhi pra não ser fraco novamente. Vou considerar um sinal de boa vontade apenas com esse seu gesto: leia nas entrelinhas...      

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Lacuna de cada Dia





Gosto do silencio da casa desabitada. Os espaços vazios são tão atraentes quanto a distância... gosto de saborear a imensidão da amplitude, a ilusão do olhar e a lacuna entre os dias.
Gosto de todas as palavras que não foram ditas. Do entretempo da voz, do lapso da memória e da perda do olhar no horizonte. Gosto de não pensar sobre o assunto, não resolver o problema, não ir além... as freses reticentes são construções semânticas das mais belas de tão ilógicas que podem se tornar.
Gosto de todos os assuntos que ainda não tiveram espaços nas enciclopédias. Todas as conversas não profícuas, todas as sensações que parecem não existir no mundo material. Gosto de pensar sobre possibilidade de interrupção do pensar e absolver toda futilidade das horas perdidas.
Gosto de perder tempo com todas pessoas que não valem a pena. De chafurdar as gavetas de lembranças e resgatar qualquer coisa que valha a pena resgatar, tirá-las, olhá-las e guarda-las novamente só que dessa vez em gavetas cada vez mais inacessíveis até chegar o dia que o próprio resgate não valha a pena ou seja inviável.
Gosto do inviável e do impossível. Dos extremos (e por que não do meio); da improbabilidade da conduta e da surpresa que todos se esqueceram de comparecer.  Gosto de tantas coisas que até dá preguiça!
Aí me perco em todos os espaços reticentes, em todas as ilusões. Detenho-me em cada palavra não dita e espero o entretempo do lapso da memória. Converso sobre todos os assuntos importante apenas pra entender quais são os supérfluos. Insisto na companhia dos emprestáveis para evitar sair dessa condição e encontro nas improbabilidades as mais incríveis chances de se chegar a lugar algum.
Nessa toada passo pela vida com a doce consciência do anonimato, onde apenas me dou a conhecer por  aqueles que partilham a mesma insanidade faminta e incomum pela humanidade contida.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Um quadro onírico da presença anônima






Você chegou, deitou e fechou os olhos antes mesmo que o corpo desabasse no colchão! Estava tão aconchegante e quente debaixo daquele edredom que emprestei... tão confortável que adormeceu instantaneamente, sem culpas, sem preocupações, sem receios com o horário, o tempo ou a queda da bolsa de valores.
Por falar em tempo, havia acabado de amanhecer. Pouco depois que chegamos, um fiapo de luz iluminou todo o quarto, ficou realmente lindo... você obviamente não viu aquele espetáculo e eu, com minha inevitável mania de instantes mágicos permaneci inerte, inebriado pela luz que refletia em você.
Eu cá fui ficando naquela atmosfera mágica por um longo tempo, mas que pareceu uma fração de segundo ou um pedaço de eternidade... não me lembro bem.
Possivelmente você sonhava. Tive certeza que no seu rosto havia um sorriso esboçado. Mas o que sonhava? Sem dúvidas o sonho era bom, bonito... era uma paisagem onírica? A lembrança de um amor? Uma pintura de Dalí com seus relógios persistentes? Nunca irei saber nada sobre o que expressava aquele esboço de sorriso enigmático, um sorriso “Monalítico”, mas autêntico, impassivelmente autêntico.
E quanto tempo permaneci  naquele pré-sono? Realmente não sei. Enquanto delirava nas ondas eletromagnéticas do seu rascunho de sorriso, o tempo se desmaterializava anacrônico. Mas quando acordei apenas uma dor de cabeça insuportável: o edredom difusamente dobrado, um calor infernal como se o próprio sol tivesse engolido a Terra e algumas lembranças de uma noite que precisava ser eterna para ser perfeita. Quanto a você, jamais saberá que esteve numa dimensão paralela enquanto dormia.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

O Corpo que Foge





E antes que o primeiro fiapo de luz matinal despontasse por entre o vidro da janela quebrada, ela se ia. Não esperava o café. Não esperava o bom dia. Não esperava pra ler o jornal de domingo. Apenas ia e deixava no ar um perfume familiar e indecifrável. Nunca quis o abraço nem mesmo os ritos rotineiros consequentes da intimidade declarada.
O sono das seis... ah! Aquele sono gostoso onde qualquer minuto se torna fácil meia hora. Aquele sono que torna tudo tão confuso e onírico... naquele sono, justamente entre espelhos e fumaças, era a hora que ela aproveitava para fugir sorrateiramente. Obviamente não calçava os sapatos. Obviamente não recolocava os brincos, pulseiras e colares que sempre enfeitavam seu pescoço esguio e lânguido. Simplesmente ia como alguém que nunca estivera.
Não fosse pela brisa da manhã ou pela inevitável dispersão das partículas facilmente a encontraria: o rastro do perfume indistintamente familiar a denunciaria. A dispersão rápida deixava-a fora de perigo, entretanto. Deixava-a inerte e invisível. Sem sombra ou reflexo e ela se ia despreocupada e livre. Livre não, diria libertada, desapegada e solta como soltas são as partículas solitárias e nobres.
E eu cá permaneço nos sono das seis... eu cá fico! Ludibriado pelo perfume, pela atmosfera feita para ser ilusória: o imbróglio da imagem desfocada. No infortúnio da consciência míope, no ledo engano de um sonho de superfície me aconchego entre os espaços vazios da cama, entre os travesseiros macios, entre o cobertor quente e viçoso. Numa atmosfera feita para ser ilusória...
Mas quando finalmente o fiapo de luz, o raio tímido penetra a janela quebrada percebo fácil que não fora um sonho, mas sim apenas uma das realidades possíveis de um futuro em meio ao caos.

sábado, 5 de janeiro de 2013

O Verso do Avesso




Estive pensando em toda dor que disseminei no mundo. Não era pouca! Sempre atribuí essa culpa aos astros. Meu signo não era um dos melhores.  No fundo sabia exatamente que tipo de pessoa se escondia por trás das belas palavras, dos movimentos aleatórios das frases de efeito, das deixas, das saídas e ausências premeditadas, das mentiras, das inverdades, dos eufemismos, das lacunas, da prolixidade inútil, das acepções desmedidas e involuntárias.

Sabia da leviandade da voz, do desespero do gesto, da razão vazia de sentido, pois o sentido descoberto já era parte de uma verdade a sangue frio, a queima roupa que insuportavelmente batia à porta da mente lívida e consciente do próprio estado degenerado de uma alma enrugada, velha, inusitadamente putrefata escondida em alguma gaveta cheia de naftalina.

Não fosse isso seria diferente? Teria de volta os anos da inocência? Teria de volta o ar quente e leve, o cheiro seco de toda coisa nova? Não. A resposta me dou de imediato: não sei e nunca vou saber porque a vida não tem ensaios. Tudo já é o espetáculo, onde improvisamos um papel que nos é imposto. Não somos o que queremos ser! Talvez nos escondemos na criação desse ser virtual, mas não suportamos sequer conviver com a falsidade de um avatar e o confronto inevitável com o verdadeiro eu.

Dito isso, sinto reconhecer - na verdade é só o que resta - que a dor que causei ao mundo não é culpa da natureza inerte dos signos, nem da sociedade que corrompe, nem da índole do sujeito incauto, é culpa única e exclusivamente do conjunto obscuro que compõe meu eu. Da associação desmedida de procedimentos escusos e um toque refinado de ironia para metamorfosear o escarro em ouro fluido e precioso. Como proceder agora frente a tal constatação? Permanecer com os mesmos movimentos aleatórios, das frases de efeito, das mentiras, dos eufemismos... ou prosseguir na lamuriosa busca por redenção? Existe redenção ou apenas uma tentativa de novas fantasias, a busca desesperada por negar a si mesmo e viver o mesmo espetáculo insano da ilusão?

Eis a uma questão capciosa!

End Game




No fim, quando chega ao fim mesmo, não há beijo de despedida. Não há nenhuma música romântica tocando enquanto se afastam... apenas um zumbido surdo e irritante que não cessa nunca. Nunca!

Os números não precisam ser apagados do celular, pois já estão na memória de qualquer forma. Apenas não se quer ligar mesmo, não tem mais por que! A devolução de pertences alheios se faz sem cerimônia. Por um amigo ou uma amiga em comum. O que der. O resto não se faz questão. Perfis sociais modificados por frases que alcancem de alguma forma o outro, do outro lado. Ora que machuquem, ora que façam refletir... 

A casa vazia, cheia de lembranças despedaçadas. A alma vazia, cheia de hematomas metafísicos, enrugada, acuada em algum lugar do estômago que dói... (preciso daquelas pastilhas para gastrite...)

O amor, sentimento puro e verdadeiro, cede à frustração e ao constrangimento. Busca-se rotas de escape, fugas, paliativos, algo que preencha, nem que seja só por uma noite, o vazio deixado pelo outro. Busca-se apenas, sem perspectiva de encontrar de fato. Não há muito a ser feito, a não ser parar de esperar.

Os finais de semana que eram vazios tornam-se terrivelmente vazios. Os dias preenchidos por ligações preocupadas são bruscamente finalizados com um “the end” gigante. Entre um copo e outro, entre um corpo e outro, entre um filme e outro, entre um beijo e outro: apenas o torpor e a mesma hanseníase sentimental de uma vida sediciosamente estranha. 

A vida segue cambaleante. Como um ébrio que não consegue sustentar a si mesmo. Ambos livres para escolherem suas próprias escolhas... percorrer seus próprios caminhos. Se cada segundo foi uma eternidade, observemos o que vem pela frente.

Complexidade ou a busca da bifurcação do vácuo emocional




Era hora de seguir. A passos lentos, sim, a passos lentos!

Era o momento certo de fugir, desistir. A hora exata de não buscar. Quando se busca o outro a possibilidade de frustração aumenta potencialmente. O inferno é o outro. O paraíso é o outro. 

O entretempo de não busca é eterno. É maçante, é anacrônico: o tempo é a telófase de si mesmo e gera uma distensão insuportável:  um paradoxo.

Esse vácuo de emoções, entretanto, é lamentavelmente necessário. Ele é o ventre gerador de matéria. De novidade. De existência. O vácuo emocional é a fração eterna do segundo que antecede o Big-Bang - esse que transforma tudo que não é em existência levemente superior. É quando as coisas voltam a fazer sentido, pois o tempo novamente segue sua trajetória caótica, porém, perceptível.

Ir em frente é importante quando permanecer é insuportável: ir em frente é importante quando não existe tempo, só para ter a sensação – meros impulsos elétricos via neurotransmissores – de estar vivo num mundo feito de sensações. 

Um dia (e pode ser que esse dia nunca chegue no tempo que nos é dado para estar no mundo de sensações) um devastador Big-Bang da início a marcha inexorável do tempo e do espaço, e tudo que era vácuo é preenchido com as mais quentes e belas possibilidades de vida, pois é justamente no meio do caos que nasce o novo. No desequilíbrio que surge a novidade e tudo que era vácuo não passa de lembranças risíveis.