Você chegou
numa hora ruim. De fato chegou numa péssima hora: chegou num dia em que não
tinha como não te dar atenção. Chegou numa hora em que meu coração (por tantos
meses feridos, sangrando e batendo fraco) estava revigorado, forte, pulsando de
vida o suficiente pra bombear um fluxo contínuo por mim e por você.
Quando você
chegou eu não tinha empecilhos. Não tinha traumas das vidas passadas, não tinha
o sabor amargo da decepção. Tudo isso havia magicamente desperecido quando o
pontinho verde apareceu ao lado direito da minha tela. Nessa época, uma época
tão anacrônica quanto qualquer época que precede algo novo ou algo que
aparentemente vai mudar sua vida, tudo o que mais queria era aproveitar a
inconsistência do tempo... o torpor das horas vagas... e a futilidade dos dias
desperdiçados. Daí então, num lapso temporal infinitesimal, todo desejo inútil
e levemente improfícuo se metamorfoseia em vontade declarada: agora, subitamente,
vejo pela primeira vez há tempos, a vontade de preencher meu tempo com
suas chegadas furtivas, de disfarçar o torpor das horas com seu sorriso pequeno
e transcender os dias e noites com a intensidade de um sentimento de bases
sólidas, fixas e sem prazo de validade.
Algumas vezes
penso no passado que por muito tempo fingimos não existir e sinto o mesmo ar rarefeito da atmosfera onírica
daquele dia que olhamos as estrelas juntos num telescópio de cano, que andamos
em poltronas desconfortáveis nos ônibus de uma cidade desconhecida, que
descobrimos o prazer químico do toque trêmulo na pele eriçada, que fingimos pra
nós mesmos que a única vida viável era aquela com prazo de validade.
Quando
deixamos esse mundo inventado por nós e exclusivamente pra nós, deletamos as
informações por conveniências e formalidade sem saber que nosso HD biológico
deixou oculta em partições ocultas uma mensagem, que pra não lermos estava
codificada mas que poderia ser lida se recriássemos a mesma atmosfera do nosso
mundo inventado por nós e exclusivamente pra nós.
Mas aí você
chegou nessa péssima hora que todas as condições possíveis e imagináveis estavam
a favor que recriássemos esse essa atmosfera. Chegou na hora errada de me pegar
desprevenido, no momento exato que me despia de todas as armas de defesa. Você
fez exatamente tudo o que podia ter feito para não criar algo que a cada dia penso
ser mais inevitável: você incentiva sem saber todas as minhas formas de
inconsequência, tolerância e desapego à vida que escolhi pra não ser fraco
novamente. Vou considerar um sinal de boa vontade apenas com esse seu gesto: leia
nas entrelinhas...
7 comentários:
Muito bom mano, sensível demais, tal qual a licença poética permite aos escritores, que pelas palavras expressam um desejo distante da realidade vivida..
Dilacera, homi!!!!
Muito bom mesmo.
Uau.... adorei!!
Obrigado gente. Muito bom saber que meus amigos me lêem!!!
Posta mais um, por favor. Não sabia que meu professor de biologia era um verdadeiro escritor. Excelente texto.
Gostei bastante... Ótimo blog, Madrigal!!!
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