segunda-feira, 29 de junho de 2009

Fria Noite Fria




Pensei que com o tempo me curaria da ânsia de desenhar nas folhas os códigos de meus pensamentos através das letras. Imaginei piamente que a febre que me acordava no meio da noite escura jamais me importunaria - fria noite fria: tomava na mão um lápis de prontidão ao pé da cama e escrevia no primeiro pedaço de papel as impressões - Aquelas impressões que tanto falei em outros tempos, os sonhos de superfície. Fria noite fria...
Não podia perceber o ciclo natural das coisas que me eram tão comuns, mas que por alguns momentos pensei serem contínuos como os movimentos elípticos do planeta e as contas de água, luz e telefone. “Estou a delirar” repetia para mim mesmo já sabendo do devaneio. Não importa agora. Pelo menos agora, fria noite fria. Agora! Mesmo agora após o susto, a única coisa que me passava pela cabeça era a ideia de desapego.
Uma vez li em uma revista que quando amamos alguém, amamos de verdade alguém, temos que deixá-la ir. Não podíamos deixar que o amor morresse por asfixia, pois isso já não o era. O desapego era a essência do amor incondicional: deixamos a pessoa ir para ser feliz.
Urge um vento inconciliável, pois a noite é fria noite...
O desprazer da inconstância é insustentável. O frio na barriga também. Chega ser uma dor gástrica, diferente de tudo. Aí volto como um tolo sempre volta e me pego pensando se um dia vai mudar, se um dia, numa noite fria noite fria virá um vento diferente desse que corrói minhas carnes tão esbranquiçadas que parecem mortas.
Não vejo a razão. Não a sinto e nesse momento a única coisa que me chama atenção é o Ballantines “on the rock” sobre a mesa. Sinto sua falta, não sinto meus pés e o ciclo se interrompe pela presença obstinada de um impasse: por um lado está a sede de vitória. O orgulho que sobrepuja qualquer sentimento de ternura ou piedade; por outro o dilaceramento da própria carne esbranquiçado que, ao não sentir mais dor, padece a dor de não sentir, pois sente a vontade arcaica de ser escravo.
O amor não inspira nada, o que inspira é o sofrimento de o não sentir! É a incapacidade de não controlar as próprias mensagens sinápticas que ocorrem na massa irregular a que chamamos de cérebro.
Sinto um frio e a desesperança me abraça e acalenta: a desesperança sempre vive, ao contrário da esperança.
Enquanto não me curar de mim mesmo, não faço mais ninguém sofrer!

Nenhum comentário: