segunda-feira, 21 de maio de 2018

Armadilha de Mulher




Era um labirinto intransponível sem entrada nem saída. Suas paredes eram de pedra maciça escritas em giz incolor todos os nomes dos amores esquecidos, antigos romances adormecidos,  os lembrados e até mesmo os não vividos.
Nesse labirinto muitos morreram indigentes, outros tantos se perderam inominados.... Mas estão todos lá: fossilizados, vivos ou não, permanecem. Jogados num beco sem saída, perambulando numa volta sem curva, nomes pichados nas paredes cobertos por musgos e trepadeiras. Peregrinando entre câmaras e átrios nesse labirinto vivo  e pulsante com paredes vermelhas, chão batido jamais pisado: terra de ninguém.
Talvez um dia chegue (e chegará) em que alguém pise o chão molhado de sangue e, sem medo, temor ou dúvida e andará por esses corredores e como um jardineiro, limpará a relva  bravia, carregará todos os corpos imateriais para longe. Vai limpar as paredes escuras e repletas de musgos e só aí então vai perceber que o labirinto que parecia de pedra é mais transparente que o diamante, translúcido e brilhante a ponto de poder ver de longe a saída.
No entanto, por algum tipo de encanto terno resolve ficar. Percebe que se do labirinto sair jamais se encontrará.  Então sem peso na alma e na consciência, sem medo, temor ou dor  será daquele labirinto o eterno zelador.

O Lado Vazio

  
   Existe um lado da cama que é vazio. Não tem lençol de algodão nem edredom quente e os travesseiros foram comidos pelas traças.

  Esse lado da cama não tem peso nem substância, não tem cor muito menos estampa. 
Não tem perfume doce, não tem cheiro de fluidos corporais que ficam em todas as camas que não possuem lados vazios.

    Nesse lado abandonado há muito, tem poeira suficiente pra cobrir uma cova. 

   Esse lado vazio não restou vida inteligente, hoje apenas habitado por microrganismos eternos e impassíveis de evolução: esse lado vazio da cama onde o tempo e o espaço se desencontraram restando apenas a dissonância do que um dia foi matéria, uma singularidade: o espectro da lembrança do fantasma do corpo que ocupou essa fração de tamanho indefinível.

Esse lado da cama um dia foi meu, hoje não existe mais: foi abandonado para preencher o lado que era seu.

Esqueci você


Não lembro do seu nome. Não lembro nada sobre você. A cor dos seus cabelos  jabuticaba, longos e lisos como fios de lua, seus olhos tímidos, mas curiosos e seus gargalhada alta e gostosa. Esqueci completamente seu jeito altivo de andar. A sua fala incoerente e sua respiração silenciosa quando dormia sem culpa e sem sonhos.
Não me recordo sequer da sua lascívia na hora de amar, do cheiro doce em seu pescoço onde me perdia e me achava. Lógico que não vou lembra da sua birra sem sentido, da sua perturbadora displicência e do reticente mistério de quem você realmente era.
Não me atreveria de forma alguma a lembrar dos meus dias dentro das suas horas incansáveis, das madrugadas quentes e ébrias de amor e loucura temperadas com medo de encontrar tudo aquilo que tanto procurava.
Hoje não lembro desse medo bobo e imaturo, da insegurança que leva a lugares lúgubres e obscuros. Do temor do exílio, da perda de tudo aquilo que não lembro mais: os detalhes inomináveis, as cores imaginárias que pintei seu nome no esquecimento.
Hoje com orgulho posso dizer que não lembro mais nada sobre você.

Pedaços e Inteiros



“Os opostos se atraem
Os dispostos se distraem”

A vida é feita de opostos, de antagonismos:
Nos dias quentes, banho gelado;

Nos dias frios, café quente.
Quando bate a fome é preciso comer: pra preencher vazios só resta ópio e materialidades. 

A realidade é o sonho que que se concretizou.
O sonho nada mais é que fragmentos de realidade alterados pelo subconsciente.

Dentre outros opostos, desde o elétron e o próton, tudo se atraí ao seu desigual:
Não se pode estar neutro.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Singularidade



E ali ficamos... parados entre a impossibilidade e a expectativa, aguardando acontecimentos corriqueiros, fingindo viver as horas cotidianas com a mesma naturalidade de uma vida a dois criada apenas na imaginação, no escopo da insanidade ou na inconstância do desespero.
Na mesma época da lua sangrenta, trazendo mal agouro e chuva forte conhecemos mutuamente as mazelas da ilusão e da força instaurada: entre espelho e fumaças, silhuetas e reflexos,  uma imagem espectral materializada em rancor e decepção.
 
Apesar do imbróglio e da doce esfera onírica, apesar das juras, das verdades incompletas, das meias mentiras... Não era sensato estar num cenário todo feito para o fracasso, para encenação de uma tragédia. 

E aí, num surto surdo de cegueira nos dirigimos a lados diametralmente opostos, em pontos equidistantes chamado singularidade, essa anomalia espaço temporal que um dia foi um ponto brilhante de energia pura, nesse universo cênico e imaginário. 

Voltando ao local que não existia mais, notei fragmentos, pequenos pedaços de mim que permaneceram inertes, presos a fração eterna do tempo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

INCONGRUÊNCIA OU A DANÇA DOS DRAGÕES INEXISTENTES


           Não era exatamente um desejo de autodestruição o que ele sentia. Poderia ser uma tentativa frustrada de chamar atenção, ou apenas tédio mesmo. O desespero sim era real. Tinha certo ar de ansiedade nos gestos... uma inconstância na voz... uma insegurança ébria que beirava a decadência. Na verdade era um cenário todo feito para a decepção. Um palco armado para o soterramento do ego, do orgulho e dos dedos.
                Não fosse o instinto de autopreservação, certamente se jogaria de qualquer precipício sentimental sem fundo. Uma queda eterna rumo a lugar algum e sem possibilidade de volta aparente. Esses sentimentos escondidos... essa agonia enclausurada há tempo tem o mesmo poder devastador dos dragões da mitologia: quando sobem à superfície, Emergem, sobrevoam de forma bela, como uma dança sincronizada, mas quando plainam destroem tudo o que tocam. Expelem fogo e fumaça, inebriam e justamente por isso precisam ficar presos em algum lugar... numa caverna repousando e quiçá jamais retornarem à superfície.
                É evidente que não é o caso aqui. O drama das palavras, o jogo sínico da prosódia causa apenas uma esfera de ilusão: descortina-se as figuras de linguagens, os artifícios estilísticos e os recursos metalinguísticos e o que resta é exatamente o esqueleto fossilizado do que um dia foi reluzente e flamejante. Que um dia foi quente e belo e novo, mas que agora sequer ficou fagulha...
                Apesar de tudo, a vida que planejou em três segundos, que arquitetou cada detalhe que pôde em apenas três palavras se esfacelou no vento e ninguém mais soube da sua existência. Parece que o dragão voltou ao descanso após um sobrevoou de destruição. Ele (o dono dos sentimentos irrequietos) não atribuiu culpa. Não acusou ninguém e muito menos amaldiçoou os signos dos zodíacos... apenas seguiu um roteiro que os astros já haviam traçado.    

               

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Chega sem bater: não está ocupado!



Você chegou numa hora ruim. De fato chegou numa péssima hora: chegou num dia em que não tinha como não te dar atenção. Chegou numa hora em que meu coração (por tantos meses feridos, sangrando e batendo fraco) estava revigorado, forte, pulsando de vida o suficiente pra bombear um fluxo contínuo por mim e por você.

Quando você chegou eu não tinha empecilhos. Não tinha traumas das vidas passadas, não tinha o sabor amargo da decepção. Tudo isso havia magicamente desperecido quando o pontinho verde apareceu ao lado direito da minha tela. Nessa época, uma época tão anacrônica quanto qualquer época que precede algo novo ou algo que aparentemente vai mudar sua vida, tudo o que mais queria era aproveitar a inconsistência do tempo... o torpor das horas vagas... e a futilidade dos dias desperdiçados. Daí então, num lapso temporal infinitesimal, todo desejo inútil e levemente improfícuo se metamorfoseia em vontade declarada: agora, subitamente, vejo pela primeira vez há tempos, a vontade de preencher meu tempo com suas chegadas furtivas, de disfarçar o torpor das horas com seu sorriso pequeno e transcender os dias e noites com a intensidade de um sentimento de bases sólidas, fixas e sem prazo de validade.

Algumas vezes penso no passado que por muito tempo fingimos não existir e sinto  o mesmo ar rarefeito da atmosfera onírica daquele dia que olhamos as estrelas juntos num telescópio de cano, que andamos em poltronas desconfortáveis nos ônibus de uma cidade desconhecida, que descobrimos o prazer químico do toque trêmulo na pele eriçada, que fingimos pra nós mesmos que a única vida viável era aquela com prazo de validade.

Quando deixamos esse mundo inventado por nós e exclusivamente pra nós, deletamos as informações por conveniências e formalidade sem saber que nosso HD biológico deixou oculta em partições ocultas uma mensagem, que pra não lermos estava codificada mas que poderia ser lida se recriássemos a mesma atmosfera do nosso mundo inventado por nós e exclusivamente pra nós.

Mas aí você chegou nessa péssima hora que todas as condições possíveis e imagináveis estavam a favor que recriássemos esse essa atmosfera. Chegou na hora errada de me pegar desprevenido, no momento exato que me despia de todas as armas de defesa. Você fez exatamente tudo o que podia ter feito para não criar algo que a cada dia penso ser mais inevitável: você incentiva sem saber todas as minhas formas de inconsequência, tolerância e desapego à vida que escolhi pra não ser fraco novamente. Vou considerar um sinal de boa vontade apenas com esse seu gesto: leia nas entrelinhas...      

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Lacuna de cada Dia





Gosto do silencio da casa desabitada. Os espaços vazios são tão atraentes quanto a distância... gosto de saborear a imensidão da amplitude, a ilusão do olhar e a lacuna entre os dias.
Gosto de todas as palavras que não foram ditas. Do entretempo da voz, do lapso da memória e da perda do olhar no horizonte. Gosto de não pensar sobre o assunto, não resolver o problema, não ir além... as freses reticentes são construções semânticas das mais belas de tão ilógicas que podem se tornar.
Gosto de todos os assuntos que ainda não tiveram espaços nas enciclopédias. Todas as conversas não profícuas, todas as sensações que parecem não existir no mundo material. Gosto de pensar sobre possibilidade de interrupção do pensar e absolver toda futilidade das horas perdidas.
Gosto de perder tempo com todas pessoas que não valem a pena. De chafurdar as gavetas de lembranças e resgatar qualquer coisa que valha a pena resgatar, tirá-las, olhá-las e guarda-las novamente só que dessa vez em gavetas cada vez mais inacessíveis até chegar o dia que o próprio resgate não valha a pena ou seja inviável.
Gosto do inviável e do impossível. Dos extremos (e por que não do meio); da improbabilidade da conduta e da surpresa que todos se esqueceram de comparecer.  Gosto de tantas coisas que até dá preguiça!
Aí me perco em todos os espaços reticentes, em todas as ilusões. Detenho-me em cada palavra não dita e espero o entretempo do lapso da memória. Converso sobre todos os assuntos importante apenas pra entender quais são os supérfluos. Insisto na companhia dos emprestáveis para evitar sair dessa condição e encontro nas improbabilidades as mais incríveis chances de se chegar a lugar algum.
Nessa toada passo pela vida com a doce consciência do anonimato, onde apenas me dou a conhecer por  aqueles que partilham a mesma insanidade faminta e incomum pela humanidade contida.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Um quadro onírico da presença anônima






Você chegou, deitou e fechou os olhos antes mesmo que o corpo desabasse no colchão! Estava tão aconchegante e quente debaixo daquele edredom que emprestei... tão confortável que adormeceu instantaneamente, sem culpas, sem preocupações, sem receios com o horário, o tempo ou a queda da bolsa de valores.
Por falar em tempo, havia acabado de amanhecer. Pouco depois que chegamos, um fiapo de luz iluminou todo o quarto, ficou realmente lindo... você obviamente não viu aquele espetáculo e eu, com minha inevitável mania de instantes mágicos permaneci inerte, inebriado pela luz que refletia em você.
Eu cá fui ficando naquela atmosfera mágica por um longo tempo, mas que pareceu uma fração de segundo ou um pedaço de eternidade... não me lembro bem.
Possivelmente você sonhava. Tive certeza que no seu rosto havia um sorriso esboçado. Mas o que sonhava? Sem dúvidas o sonho era bom, bonito... era uma paisagem onírica? A lembrança de um amor? Uma pintura de Dalí com seus relógios persistentes? Nunca irei saber nada sobre o que expressava aquele esboço de sorriso enigmático, um sorriso “Monalítico”, mas autêntico, impassivelmente autêntico.
E quanto tempo permaneci  naquele pré-sono? Realmente não sei. Enquanto delirava nas ondas eletromagnéticas do seu rascunho de sorriso, o tempo se desmaterializava anacrônico. Mas quando acordei apenas uma dor de cabeça insuportável: o edredom difusamente dobrado, um calor infernal como se o próprio sol tivesse engolido a Terra e algumas lembranças de uma noite que precisava ser eterna para ser perfeita. Quanto a você, jamais saberá que esteve numa dimensão paralela enquanto dormia.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

O Corpo que Foge





E antes que o primeiro fiapo de luz matinal despontasse por entre o vidro da janela quebrada, ela se ia. Não esperava o café. Não esperava o bom dia. Não esperava pra ler o jornal de domingo. Apenas ia e deixava no ar um perfume familiar e indecifrável. Nunca quis o abraço nem mesmo os ritos rotineiros consequentes da intimidade declarada.
O sono das seis... ah! Aquele sono gostoso onde qualquer minuto se torna fácil meia hora. Aquele sono que torna tudo tão confuso e onírico... naquele sono, justamente entre espelhos e fumaças, era a hora que ela aproveitava para fugir sorrateiramente. Obviamente não calçava os sapatos. Obviamente não recolocava os brincos, pulseiras e colares que sempre enfeitavam seu pescoço esguio e lânguido. Simplesmente ia como alguém que nunca estivera.
Não fosse pela brisa da manhã ou pela inevitável dispersão das partículas facilmente a encontraria: o rastro do perfume indistintamente familiar a denunciaria. A dispersão rápida deixava-a fora de perigo, entretanto. Deixava-a inerte e invisível. Sem sombra ou reflexo e ela se ia despreocupada e livre. Livre não, diria libertada, desapegada e solta como soltas são as partículas solitárias e nobres.
E eu cá permaneço nos sono das seis... eu cá fico! Ludibriado pelo perfume, pela atmosfera feita para ser ilusória: o imbróglio da imagem desfocada. No infortúnio da consciência míope, no ledo engano de um sonho de superfície me aconchego entre os espaços vazios da cama, entre os travesseiros macios, entre o cobertor quente e viçoso. Numa atmosfera feita para ser ilusória...
Mas quando finalmente o fiapo de luz, o raio tímido penetra a janela quebrada percebo fácil que não fora um sonho, mas sim apenas uma das realidades possíveis de um futuro em meio ao caos.