quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A metafísica das insanidades – Parte única

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você!”

Era realmente estranho estar apaixonado por uma presença imaterial e inconstante. Algo tão volátil quanto a memória RAM de um computador como a diferença que minhas memórias não se apagam quando não há alimentação da mesma. Minhas memórias...
Isso nos leva a um contraponto no mínimo curioso: se o coração não sente o que os olhos não vêem, por que ainda aquele comichão na barriga? Por que ainda o constante pensar? Por que os sinônimos não mais faziam sentido há tanto tempo? Um sentimento assim, batendo à porta do muro do manicômio não era fácil explicar apenas com notas musicais.

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você!”

Essa frase era tão óbvia assim? Talvez um adolescente pudesse me explicar sentimentos assim tão distantes como cheiro de chuva, tão distantes como canção de ninar, tão distantes...nem parece que foram reais. Sonhos de superfície. É até engraçado tocar nesse assunto: sonho de superfície - ora, seria apenas um apelo desesperado por não ser entendido, mas antes, ser sentido? Não quero nunca mais ser entendido! Nunca por outra. Só por você.
Mas receio estar colocando as mãos frente aos pés!
Aquela fração de verão era qualquer coisa menos promissora. Todos estávamos deitados na grama como se o mundo fosse apenas agora. E era, pelo menos para mim que olhava as nuvens ao longo da praia, sem forma, pois não há forma nas nuvens quando o coração não pulsa na mente. Nós respirávamos as fumaças dos sonhos e acordávamos antes do sol nascer para ver se alguma cigarra aparecia para anunciar chuva. Um dia vieram todas de uma vez e cantaram sobre nossas cabeças, mas não choveu. Depois se foram e nunca mais voltaram enquanto estivemos alí.
Conversando com meus amigos de copo e manicômio chegamos a terrível conclusão de que era pura paixão. Paixão daquelas mais deslavadas e cretinas. Depois tomamos gim e todos foram dormir, exceto eu que não conseguia tirar a impressão ariana da minha alma. Sonhos de superfície...
Meia noite em ponto tomei a ultima dose e fui dormir como quem espera, e sonhei um sonho alcoólico e conveniente.
Diferente daquele dia, chove. Mas não lembro de nenhuma cigarra cantar anunciando. Não existem mais cigarras tão obedientes e precisas. Todas elas voam cambaleantes com a poluição do ar, da água...
Eu a procurava todos os momentos – não as cigarras - todos os dias, todas as horas para ver se ela gostaria de procurar cigarras ou qualquer outro bicho só pra ficar perto dela, só pra estar perto dela e ser sentido... sem sentido. Não assim, dessa forma que você pensa. Queria que ela sentisse meu coração pulsar na mente como uma enxaqueca constante.
Nos conhecemos assim muito de repente. Nos olhamos curiosos, nos sondamos através das imagens invertidas que se formaram na retina. Nossos cérebros receberam as informações através de sinapses, impulsos nervosos distorcidos pelo espaço/tempo (e como eram nervosos). Uma série de substâncias foram liberadas na corrente sanguínea e uma sensação de prazer inocente percorreu meu corpo (não sei se para ela fora tão eterno e intenso quanto para mim) e fez-me suspirar enquanto meus olhos insistiam em encontrar os dela.
Passaram-se dias até que a visse de novo: e novamente as substâncias... quando dei por mim estava viciado naquelas substâncias neurotransmissoras que me causavam sensação de prazer, muito embora a essa altura era um prazer sôfrego. Eu queria mesmo era rasgar-lhe a alma com suspiros. Queria abraçá-la sem constrangimento, mas não consegui. Não com minha forma humana.
Meus colegas de manicômio censuraram-me. Disseram que era loucura a imaterialidade de meu objeto de desejo. Que não havia metafísica mais sensata do que o esquecimento ou a supressão das tolices idealizadas pelo coração. Isso quem me disse foi uma criança que tinha problemas com alcoolismo. Mas não ouvi. Não dei atenção e minha arrogância crônica sobrepujou minha humildade – no fundo, no fundo eu sabia que o garoto tinha razão. Todo louco que se preze se vê mais normal que os outros. Um amor assim, batendo à porta do muro do manicômio não era fácil explicar apenas com notas musicais...nem com sonhos de superfície.

“Estranho seria se não me apaixonasse por você!”

Há tempos atrás, muito tempo mesmo tive a oportunidade de me apaixonar. Mas do que depressa recusei e fugi como um vampiro furta-se à luz. Não que fosse ruim, não que não fosse interessante, mas queria evitar ter de escrever insanidades como estou a fazer agora. Nesse momento, tomado por escuridão e vinho não consigo fazer com que aquelas substâncias retornem...mas a angústia ficou... ficou e persiste em ficar e doer como uma ferida que nunca se fecha completamente... Não sei mais se falo da mesma coisa! Talvez a memória RAM esteja com defeito.
Quando me referi à fração de verão talvez falasse da metáfora de todos os Verões e quando disseram que era paixão, meu amigo de manicômio - aquela pobre criança bêbada - poderia estar enganado. Tolice:
Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.



Tomo um café e outro e outro – o psiquiatra disse que eu evitasse a cafeína. Uma imagem constante me vem à cabeça, cacos de histórias que nunca vivi, pedaços de realidades diversas que se confundem e se misturam. Olho pela janela da minha sala acolchoada e vejo a praia que jamais pisaria novamente, se é que já havia pisado ou mesmo se existia realmente uma praia alí. Na parede várias fotos de cigarras e contos de verão e ao longe uma música: “estranho seria se...”
Uma Sirene alta e irritante toca: É hora de tomar mais uma dose de remédio.

2 comentários:

Layane disse...

o Saulooooo...
Eu li e lembrei de uma coisa:

"Do you love me?"


huiaoshiauia
Beeeeeeeijooo

batista disse...

Valeu, Mr. Saulo: valeu, mesmo!

Deixo um abraço fraterno.

Ps. Não esqueça das gralhas.