segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Vendedor de Castanhas

O ônibus não está muito cheio; o 180.1, número do ônibus que tomo por pelo menos doze anos ininterruptos estranhamente não está cheio. Aproveito para dormir. Gosto. Encurta viagem longa. Uma mulher com jeito de doida senta na minha frente com uma bolsa enorme. Seu batom gasto e vermelho do final dos anos setenta trazia nostalgia. Minha mãe usava um assim ainda em meados dos anos oitenta, quando a ditadura acabava de acabar e as mulheres usavam cabelos como da Sula Miranda.
Imediatamente ao meu lado, um rapaz disperso ouvia disperso seu MP3. Logo a frente um jovem senhor com ar arrogante olha circunspecto imaginando a que horas terá que levantar as mãos e entregar seu rolex. No mesmo lugar só que na outra fileira encontra-se o vendedor de castanhas.
Não havia reparado no vendedor de castanhas, com seu pacote enorme de castanhas, já que era um vendedor de castanhas seria bastante razoável que o pacote fosse de castanhas. Não faço nenhuma observação inteligente ao seu respeito a não ser a genial conclusão de que gosto de castanhas.
Mais na frente, mais pessoas cuidam de suas vidas, inclusive eu que durmo despreocupado com uma apostila na mão. Finjo ser um cidadão que quitou todas suas dívidas com a sociedade.
Como um prenúncio de mal pressagio ouço um terrível estrondo que ecoa pelo 180.1. Acordo. Olho ao redor e já imagino o pior: ônibus quebrado.
Ao invés disso encontro um pacote de castanhas jogado no chão pela freada brusca do motorista, e o vendedor de castanhas com as mãos na cabeça, aflito sem saber o que fazer, eu sem saber o que fazer o motorista sem saber o que fazer. A única pessoa que parecia saber o que fazer era a mulher do batom dos anos setenta que pedia a todos ali de perto que ajudassem o desditado vendedor de castanhas. Nessa hora choro. Recolhidamente choro por não saber o que fazer e por ver a angústia do vendedor que provavelmente havia gasto boa parte do que ganhara a semana toda debaixo do sol quente de B... Choro e tento voltar a dormir e sonho com a prisão.


Chego a rodoviária e a mulher do batom dos anos setenta me solicita que lhe instrua sobre locais de compre de passagens. Respondo que não é ali, mas na rodoferroviaria. Ela pergunta se eu tenho certeza. Eu digo que não. Ela me pede que eu a leve no ponto do ônibus que vai à rodoferroviaria. Eu digo que a levo e pego sua bolsa. Ela me diz que Deus vai me abençoar, eu digo tomara, preciso. E ela com seu cabelo e batom antigos se afasta com sua enorme bolsa.
Sinto-me feliz. Nem parece que matei doze pessoas e penso que talvez ainda tenha perdão para meus pecados.

3 comentários:

Layane disse...

Saulooooooooo!! Vc matou doze pessoas???
huiahaiaiu
Tipo velho... Tipo cara... Assim não dá!!!

Mas eu fiquei na curiosidade do vendedor de castanhas! Vc comeu todas? comprou todas? ou vc só chorou mesmo??

Saulo Madrigal disse...

Lany,

Pior que essa história tem um pingo de realidade...Eu chorei mesmo!!!
Mas sobre as dez pessoas, isso nao aconteceu..Pelo menos eu nao me lembro!!!
bjo
obrigado pelos coments!!

Não importa disse...

hahaha... adorei seu estilo. Até hj acho q não vi nada parecido, essa coisa da repetição contínua. "Ele não sabia o que fazer, eu não sabia o que fazer, ninguém sabia o que fazer", ou então, "o garoto disperso ouvindo disperso seu mp3"...
Vc é criativo e escreve bem! Parabéns!